Bibliotecário, mestre em Ciência da Informação pela UFMG,
Militante do Juntos! e do CELLOS-MG
Laila Resende
Graduanda em Psicologia pela PUC MG,
Militante do Juntos!
O fundamentalismo
religioso está presente, de formas diversas, em todas as religiões,
durante toda a história delas. Como fundamentalistas, compreendem-se aqueles indivíduos
que tomam seus dogmas como verdade absoluta, indiscutível, incontestável,
portanto, sem que haja a possibilidade de abertura de diálogo para qualquer
assunto que seja contrário ou mesmo distinto de seus princípios. O
fundamentalismo tem suas convicções historicamente tão precisas que
desconsidera estudos modernos que refutem seus ditos, como é o caso do
criacionismo, pensamento que concede a um ser sobrenatural a criação da Terra,
dos seres vivos, do universo, e, enfim, tudo que há nele, em oposição à teoria
evolucionista desenvolvida pelo cientista inglês Charles Robert Darwin e pelo
naturalista britânico Alfred Russel Wallace.
Há
várias correntes fundamentalistas religiosas entre os adeptos do judaísmo, cristianismo,
islamismo, dentre outras. Muitas vezes, nas formas mais danosas, o
fundamentalismo religioso pode trazer certo esvaziamento ou solidificação
da cultura nos preceitos de seus adeptos, gerando opressão aos não
seguidores e consequente restrição de liberdades.
Outro
fato que deve estar em mente é que as formas de fundamentalismo são variadas. O
religioso cristão tem em suas formas traços diferenciados. Por exemplo, o
fundamentalismo católico é diverso do protestante, embora também tenham
interseções. Maior diferença há ainda em relação ao fundamentalismo islâmico e
o católico. Uma das formas mais preocupantes, inclusive no Brasil, é quando o
fundamentalismo religioso passa a se aproximar muito do Estado e de suas formas
regulatórias da vida social, como suas leis e políticas públicas. Em nosso caso,
estas práticas desenvolvidas por políticos religiosos fundamentalistas colocam
em risco o Estado laico, fruto de um amadurecimento político e de direitos, já
que o Brasil já foi um Estado religioso. De
acordo com a pesquisadora em direito Cynthia Semíramis[1],
durante o Império a religião oficial do Brasil foi à católica apostólica romana
(art.5º da Constituição de 1824), onde a igreja ditava as leis e formas de
conduta de todas as mulheres e homens.
Atualmente podemos citar o Irã, forma extrema de Estado governado
por princípios religiosos, onde o próprio
conceito de Estado-nação está estritamente ligado ao fato de que religião e Estado
político não devem ser separados, sendo que o Estado se guia pelas leis da Sharia[2],
como demonstra o artigo 10 de sua Constituição que diz que os muçulmanos
constituem uma única nação. Isso quer dizer que todos os muçulmanos, indiferente
ao local de seus nascimentos e origem étnica formam uma nação. De acordo com
Castells[3] “a
construção da identidade islâmica contemporânea realiza-se como uma reação
contra a modernização inatingível (capitalista ou socialista), os efeitos
negativos da globalização e o colapso do projeto racionalista póscolonial”
(CASTELLS, 1999: 35). Neste sentido, a religião ganha um viés mais doentio ao
definir que para um progresso da “nação” é necessário destruir o que a coloca
em risco.
Não
muito diferentes são o fundamentalismo cristão evangélico e o fundamentalismo
islâmico no sentido de guiar-se e desejar guiar o Estado baseado em leis
divinas. Dentro das igrejas evangélicas há a teologia da prosperidade, prática que coloca o plano da salvação e o
enriquecimento material em um mesmo nível. Esta teologia, que se desenvolveu
nos anos de 1940 e 1950, nos EUA, tem as suas relações com a ética do
calvinismo que foi uma das bases do Capitalismo inglês e do norte da Europa no
século XVIII. Os defensores dessa teologia defendem que ela é um aspecto
necessário do caminho à dominação cristã da sociedade e utilizam como argumento
que ainda se aplica, nos dias atuais, a promessa divina de dominação de um povo
escolhido sobre as Tribos de
Israel.
No cenário político brasileiro há atualmente uma expansão da
atuação de parlamentares fundamentalistas cristãos, principalmente de evangélicos
pentecostais. Esta força dos fundamentalistas na política brasileira teve
início ainda no governo Lula, mas ganhou maior relevância no atual governo Dilma.
A atuação da bancada evangélica e de católicos tem colocado em risco liberdades
sociais e individuais.
Utilizando Kant, podemos concordar que liberdade é um conceito relacionado com a autonomia, com o direito dos indivíduos criarem suas próprias regras. Estas devem ser seguidas racionalmente, baseando-se no conhecimento de leis morais e éticas, não tendo apenas um aspecto individualista. A liberdade se relaciona com o livre arbítrio, conceito também comum ao cristianismo, mas muito mal utilizado pelos cristãos, em todas as épocas. Liberdade também é um princípio constitucional presente no preâmbulo da Constituição de 1988 do Brasil.
O fundamentalismo religioso, através de seus códigos morais, gera opressão aos não seguidores destes códigos de conduta, e quando ligados à política, interferem diretamente nas liberdades. Ele está associado ao machismo e ao patriarcado, o que gera opressão às mulheres, colocando-as como subservientes aos homens. Homossexuais são duramente oprimidos, já que dentro dos dogmas criados pelos cristãos, islâmicos, judeus etc. homens e mulheres têm seus papéis previamente determinados, inclusive em relação à sexualidade. Opressão também não falta em relação a diferentes formas de religiosidade e de crenças, principalmente as religiões de matriz africana.
Utilizando Kant, podemos concordar que liberdade é um conceito relacionado com a autonomia, com o direito dos indivíduos criarem suas próprias regras. Estas devem ser seguidas racionalmente, baseando-se no conhecimento de leis morais e éticas, não tendo apenas um aspecto individualista. A liberdade se relaciona com o livre arbítrio, conceito também comum ao cristianismo, mas muito mal utilizado pelos cristãos, em todas as épocas. Liberdade também é um princípio constitucional presente no preâmbulo da Constituição de 1988 do Brasil.
O fundamentalismo religioso, através de seus códigos morais, gera opressão aos não seguidores destes códigos de conduta, e quando ligados à política, interferem diretamente nas liberdades. Ele está associado ao machismo e ao patriarcado, o que gera opressão às mulheres, colocando-as como subservientes aos homens. Homossexuais são duramente oprimidos, já que dentro dos dogmas criados pelos cristãos, islâmicos, judeus etc. homens e mulheres têm seus papéis previamente determinados, inclusive em relação à sexualidade. Opressão também não falta em relação a diferentes formas de religiosidade e de crenças, principalmente as religiões de matriz africana.
No
atual contexto de recrudescimento do fundamentalismo religioso no Brasil urge a
necessidade de uma maior união e agregação de forças de vários movimentos, como
de mulheres, negros, religiões de matrizes africanas, trabalhadorxs e LGBT’s. Embora,
o enfraquecimento do Estado laico não coloca em risco somente a liberdade das
minorias supracitadas, estes são hoje os principais oprimidos. No entanto, a
liberdade de qualquer pessoa estará em risco a médio ou longo prazo. Vencer o
afastamento que as diferenças eventualmente geram é uma necessidade de
amadurecimento pessoal e coletivo dos povos, que deve ser realizada para que,
de forma dialética entre os vários discursos e práticas, possamos alcançar uma
sociedade mais justa e tolerante, onde as liberdades prevaleçam.
[1] Último
texto desta série sobre Estado laico: Semíramis, Cynthia. Estado laico, legislação e direitos LGBT. Belo Horizonte: Blog
CELLOS-MG, 12 ago. 2013. Disponível em: http://cellos-mg.blogspot.com.br/2013/08/estado-laico-legislacao-e-direitos-lgbt.html
[2] Sharia é
o conjunto, ou sistema, de “leis divinas” contidas no livro sagrado do
islamismo - Corão - e os Hadiths (Sunnah) que compreendem os ensinamentos do
profeta Muhammad.
[3]
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade.
São Paulo: Paz e Terra, 1999.
Parabéns a Mateus e Laila pelo texto maduro, inteligente, claro e oportuno produzido. Excelente reflexão!
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