segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Fundamentalismo, opressão e liberdades

Mateus Uérlei Pereira da Costa
Bibliotecário, mestre em Ciência da Informação pela UFMG,
Militante do Juntos! e do CELLOS-MG

Laila Resende
Graduanda em Psicologia pela PUC MG,
Militante do Juntos!

O fundamentalismo religioso está presente, de formas diversas, em todas as religiões, durante toda a história delas. Como fundamentalistas, compreendem-se aqueles indivíduos que tomam seus dogmas como verdade absoluta, indiscutível, incontestável, portanto, sem que haja a possibilidade de abertura de diálogo para qualquer assunto que seja contrário ou mesmo distinto de seus princípios. O fundamentalismo tem suas convicções historicamente tão precisas que desconsidera estudos modernos que refutem seus ditos, como é o caso do criacionismo, pensamento que concede a um ser sobrenatural a criação da Terra, dos seres vivos, do universo, e, enfim, tudo que há nele, em oposição à teoria evolucionista desenvolvida pelo cientista inglês Charles Robert Darwin e pelo naturalista britânico Alfred Russel Wallace.

Há várias correntes fundamentalistas religiosas entre os adeptos do judaísmo, cristianismo, islamismo, dentre outras. Muitas vezes, nas formas mais danosas, o fundamentalismo religioso pode trazer certo esvaziamento ou solidificação da cultura nos preceitos de seus adeptos, gerando opressão aos não seguidores e consequente restrição de liberdades.

Outro fato que deve estar em mente é que as formas de fundamentalismo são variadas. O religioso cristão tem em suas formas traços diferenciados. Por exemplo, o fundamentalismo católico é diverso do protestante, embora também tenham interseções. Maior diferença há ainda em relação ao fundamentalismo islâmico e o católico. Uma das formas mais preocupantes, inclusive no Brasil, é quando o fundamentalismo religioso passa a se aproximar muito do Estado e de suas formas regulatórias da vida social, como suas leis e políticas públicas. Em nosso caso, estas práticas desenvolvidas por políticos religiosos fundamentalistas colocam em risco o Estado laico, fruto de um amadurecimento político e de direitos, já que o Brasil já foi um Estado religioso. De acordo com a pesquisadora em direito Cynthia Semíramis[1], durante o Império a religião oficial do Brasil foi à católica apostólica romana (art.5º da Constituição de 1824), onde a igreja ditava as leis e formas de conduta de todas as mulheres e homens.

Atualmente podemos citar o Irã, forma extrema de Estado governado por princípios religiosos, onde o próprio conceito de Estado-nação está estritamente ligado ao fato de que religião e Estado político não devem ser separados, sendo que o Estado se guia pelas leis da Sharia[2], como demonstra o artigo 10 de sua Constituição que diz que os muçulmanos constituem uma única nação. Isso quer dizer que todos os muçulmanos, indiferente ao local de seus nascimentos e origem étnica formam uma nação. De acordo com Castells[3] “a construção da identidade islâmica contemporânea realiza-se como uma reação contra a modernização inatingível (capitalista ou socialista), os efeitos negativos da globalização e o colapso do projeto racionalista póscolonial” (CASTELLS, 1999: 35). Neste sentido, a religião ganha um viés mais doentio ao definir que para um progresso da “nação” é necessário destruir o que a coloca em risco.

Não muito diferentes são o fundamentalismo cristão evangélico e o fundamentalismo islâmico no sentido de guiar-se e desejar guiar o Estado baseado em leis divinas. Dentro das igrejas evangélicas há a teologia da prosperidade, prática que coloca o plano da salvação e o enriquecimento material em um mesmo nível. Esta teologia, que se desenvolveu nos anos de 1940 e 1950, nos EUA, tem as suas relações com a ética do calvinismo que foi uma das bases do Capitalismo inglês e do norte da Europa no século XVIII. Os defensores dessa teologia defendem que ela é um aspecto necessário do caminho à dominação cristã da sociedade e utilizam como argumento que ainda se aplica, nos dias atuais, a promessa divina de dominação de um povo escolhido sobre as Tribos de Israel.

No cenário político brasileiro há atualmente uma expansão da atuação de parlamentares fundamentalistas cristãos, principalmente de evangélicos pentecostais. Esta força dos fundamentalistas na política brasileira teve início ainda no governo Lula, mas ganhou maior relevância no atual governo Dilma. A atuação da bancada evangélica e de católicos tem colocado em risco liberdades sociais e individuais.

Utilizando Kant, podemos concordar que liberdade é um conceito relacionado com a autonomia, com o direito dos indivíduos criarem suas próprias regras. Estas devem ser seguidas racionalmente, baseando-se no conhecimento de leis morais e éticas, não tendo apenas um aspecto individualista. A liberdade se relaciona com o livre arbítrio, conceito também comum ao cristianismo, mas muito mal utilizado pelos cristãos, em todas as épocas. Liberdade também é um princípio constitucional presente no preâmbulo da Constituição de 1988 do Brasil.

O fundamentalismo religioso, através de seus códigos morais, gera opressão aos não seguidores destes códigos de conduta, e quando ligados à política, interferem diretamente nas liberdades. Ele está associado ao machismo e ao patriarcado, o que gera opressão às mulheres, colocando-as como subservientes aos homens. Homossexuais são duramente oprimidos, já que dentro dos dogmas criados pelos cristãos, islâmicos, judeus etc. homens e mulheres têm seus papéis previamente determinados, inclusive em relação à sexualidade. Opressão também não falta em relação a diferentes formas de religiosidade e de crenças, principalmente as religiões de matriz africana.

No atual contexto de recrudescimento do fundamentalismo religioso no Brasil urge a necessidade de uma maior união e agregação de forças de vários movimentos, como de mulheres, negros, religiões de matrizes africanas, trabalhadorxs e LGBT’s. Embora, o enfraquecimento do Estado laico não coloca em risco somente a liberdade das minorias supracitadas, estes são hoje os principais oprimidos. No entanto, a liberdade de qualquer pessoa estará em risco a médio ou longo prazo. Vencer o afastamento que as diferenças eventualmente geram é uma necessidade de amadurecimento pessoal e coletivo dos povos, que deve ser realizada para que, de forma dialética entre os vários discursos e práticas, possamos alcançar uma sociedade mais justa e tolerante, onde as liberdades prevaleçam.



[1] Último texto desta série sobre Estado laico: Semíramis, Cynthia. Estado laico, legislação e direitos LGBT. Belo Horizonte: Blog CELLOS-MG, 12 ago. 2013. Disponível em: http://cellos-mg.blogspot.com.br/2013/08/estado-laico-legislacao-e-direitos-lgbt.html
[2] Sharia é o conjunto, ou sistema, de “leis divinas” contidas no livro sagrado do islamismo - Corão - e os Hadiths (Sunnah) que compreendem os ensinamentos do profeta Muhammad.
[3] CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

Um comentário:

  1. Parabéns a Mateus e Laila pelo texto maduro, inteligente, claro e oportuno produzido. Excelente reflexão!

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