segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Estado laico e suas implicações nos Direitos Humanos e na Cidadania

Andréa Moreira Lima
Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia Social pela UFMG, 
Professora na graduação e pós-graduação da UNA e da FEAD e 
Ex-Coordenadora Municipal de Direitos Humanos/PBH.

A diversidade humana está presente nas diferentes culturas fazendo parte da própria constituição de cada pessoa. O reconhecimento desta diversidade propicia a legitimidade das subjetividades que irão construir novos discursos e novas práticas na reinvenção de novas formas de convivência humana. Para a construção de uma cultura efetivamente inclusiva, é preciso repensar os valores hegemônicos que norteiam uma sociedade para poucos. É necessário também debater os critérios de que nos valemos para avaliar e classificar as pessoas e suas atitudes. A constituição de um sujeito-cidadão autônomo requer sua inserção e convívio com princípios e valores democráticos. Daí a importância de um modelo de Estado Laico para a efetivação dos direitos humanos e da cidadania. Ou seja, o respeito às diferentes formas de religiosidade, de liberdades de expressão e de crença, como fundamentais para a vida social.

Ao longo de toda história da humanidade tivemos marcos de construção formais desses direitos, tais como a Revolução Inglesa de 1689, a Revolução Francesa e a Revolução Americana de 1789, a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, bem como tratados, convenções, pactos e conferências realizadas pela ONU e demais instituições de direitos humanos presentes em diferentes países. Além da história teórica, jurídica e formal dos direitos humanos, há também as práticas e discursos que se constroem diariamente por diferentes pessoas e organizações como formas de tradução de experiências e vivências que lutam pela igualdade e justiça social. Isto permite que os direitos humanos se tornem instrumentos mediadores dos direitos e deveres de cada indivíduo na sociedade.

As correlações de força e poder presentes na relação entre a sociedade civil e o Estado, seja como adversários ou apoiadores, na construção das políticas voltadas para minorias sociais, têm se materializado na diversidade de atores sociais envolvidos na cena pública. Com relação às lutas LGBTs, no Brasil, encontra-se um parlamento muito influenciado por segmentos religiosos de base fundamentalista. A abertura para uma rede social LGBT com o poder público tem se dado muito mais no campo do poder judiciário e executivo. Destaque aos atos públicos, como a realização das Paradas LGBT e seus impactos sociais, às jurisprudências e políticas locais de atendimento ao público LGBT, bem como a recente aprovação, pelo Supremo Tribunal Federal, do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

É preciso esclarecer que um Estado Laico não é um Estado antirreligioso, mas sim um Estado em que as políticas públicas e as leis são destinadas e criadas para todos, desvinculadas de religiões específicas. Para isso, o Estado não pode apoiar nem se opor a nenhuma religião, mas propiciar igualdade de direitos, independentemente das escolhas religiosas, e sem priorizar certas religiões em detrimento de outras. Esse paradigma difere do Estado teocrático, no qual há apenas uma única religião oficialmente legítima, como é o caso do Vaticano (Religião Católica) e do Irã (Religião Islâmica). O Estado Laico, também chamado de Estado secular, deve garantir a liberdade religiosa de cada cidadão, deste modo não pode aceitar que nenhuma religião específica interfira em questões políticas. Entretanto, Estado Laico não significa que ele seja um Estado Ateu, pois ele reconhece tanto o direito à descrença religiosa quanto o direito a religiosidade. Ser um Estado laico significa ter uma atitude crítica que separe a interferência das religiões nas decisões públicas do Estado e vice-versa[1].

Apesar dos avanços alcançados no campo dos direitos humanos, inclusive com o reconhecimento do Estado Laico pelos segmentos religiosos progressistas, vivemos hoje no Brasil uma ameaça das correntes fundamentalistas aos princípios democráticos estruturantes de nossa Constituição Federal de 1988. Vários fatos ocorridos na atualidade[2] nos faz perceber o quanto que os espaços políticos de direitos humanos estão cada vez mais fragilizados. Há reincididas interferências de setores conservadores para a não efetivação de políticas públicas para as pessoas LGBTs. Como exemplo, o veto pela Presidente da República ao kit anti-homofobia, em maio de 2011 e a retirada do ar de campanhas de prevenção a DST-Aids destinadas a jovens gays, entre outros. A não efetivação da laicidade do Estado tem possibilitado uma reconfiguração do lugar dos religiosos fundamentalistas na política, que inclui disputas por poder e hegemonia no campo religioso, interesses políticos partidários em coligações para campanhas e abertura de espaços na mídia hegemônica conservadora.

Assim, por mais que seja percebido um gradativo fortalecimento da perspectiva sócio-histórica e crítica dos direitos humanos, percebe-se também a permanência de pespectivas naturalistas-cristãs perpassando o discurso dos direitos. Esse fato ocorre numa lógica de que direitos humanos são para humanos “direitos”, ou seja, àqueles identificados a elite dominante.

O campo dos direitos humanos deve se configurar como um horizonte de igualdade social, uma utopia ativa que busca universalizar direitos para todos. Daí a importância de compreender que a discordância frente às diferenças do outro não deve conduzir a uma eliminação radical deste, mas a renegociações constantes das formas de sua presença. A vida em sociedade requer a coexistência de alguns valores universais em comum. Porém, o universal não deve ter uma representação fixa, pois diferentes grupos competem entre si para dar temporariamente a seus particularismos uma função de representação universal. Este paradoxo entre os direitos humanos ditos universais e particulares não pode ser resolvido, já que sua irresolubilidade é que garante a democracia[3].

Enfim, o Estado Laico adquire um caráter crítico quando ocupa o lugar de fazer traduções de experiências particulares, entre o que elas se aproximam e se distanciam nas suas necessidades para a garantia da dignidade humana. Os direitos humanos promovidos pelo Estado, a partir das suas leis e políticas públicas, poderão abarcar melhor as complexidades dos grupos e indivíduos e intervir de forma mais eficaz sobre eles, por meio de uma noção de universalidade contextualizada. Torna-se, então, imprescindível a legitimidade dos debates, dos conflitos e das demandas sociais para o alargamento das possibilidades dos direitos humanos serem universalizados garantindo um Estado mais pluralista e democrático.



[1] RÉMOND, R. Religion and Society. U.S.A.: Blackwell Publishers, 1999.
[2] LIMA, A.M. Política sexual: entre o univesal e o particular, os direitos humanos LGBT em Belo Horizonte e Lisboa. Tese de Doutorado. BeLo Horizonte: UFMG, 2013.
[3] LACLAU, E. Emancipação e Diferença. Rio de Janeiro: EdUERJ., 2011.

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