Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia Social
pela UFMG,
Professora na graduação e pós-graduação da UNA e da FEAD e
Ex-Coordenadora Municipal de Direitos Humanos/PBH.
Professora na graduação e pós-graduação da UNA e da FEAD e
Ex-Coordenadora Municipal de Direitos Humanos/PBH.
A diversidade humana está presente nas diferentes culturas fazendo parte da
própria constituição de cada pessoa. O reconhecimento desta diversidade
propicia a legitimidade das subjetividades que irão construir novos discursos e
novas práticas na reinvenção de novas formas de convivência humana. Para a
construção de uma cultura efetivamente inclusiva, é preciso repensar os valores
hegemônicos que norteiam uma sociedade para poucos. É necessário também debater
os critérios de que nos valemos para avaliar e classificar as pessoas e suas
atitudes. A constituição de um sujeito-cidadão autônomo requer sua inserção e
convívio com princípios e valores democráticos. Daí a importância de um modelo
de Estado Laico para a efetivação dos direitos humanos e da cidadania. Ou seja,
o respeito às diferentes formas de religiosidade, de liberdades de expressão e
de crença, como fundamentais para a vida social.
Ao longo de toda história da humanidade tivemos marcos de construção formais
desses direitos, tais como a Revolução Inglesa de 1689, a Revolução Francesa e
a Revolução Americana de 1789, a criação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, bem como tratados, convenções, pactos e conferências
realizadas pela ONU e demais instituições de direitos humanos presentes em
diferentes países. Além da história teórica, jurídica e formal dos direitos
humanos, há também as práticas e discursos que se constroem diariamente por
diferentes pessoas e organizações como formas de tradução de experiências e
vivências que lutam pela igualdade e justiça social. Isto permite que os
direitos humanos se tornem instrumentos mediadores dos direitos e deveres de
cada indivíduo na sociedade.
As correlações de força e poder presentes na relação entre a sociedade
civil e o Estado, seja como adversários ou apoiadores, na construção das
políticas voltadas para minorias sociais, têm se materializado na diversidade
de atores sociais envolvidos na cena pública. Com relação às lutas LGBTs, no
Brasil, encontra-se um parlamento muito influenciado por segmentos religiosos
de base fundamentalista. A abertura para uma rede social LGBT com o poder
público tem se dado muito mais no campo do poder judiciário e executivo.
Destaque aos atos públicos, como a realização das Paradas LGBT e seus impactos
sociais, às jurisprudências e políticas locais de atendimento ao público LGBT,
bem como a recente aprovação, pelo Supremo Tribunal Federal, do casamento civil
entre pessoas do mesmo sexo.
É preciso esclarecer que um Estado Laico não é um Estado antirreligioso, mas
sim um Estado em que as políticas públicas e as leis são destinadas e criadas
para todos, desvinculadas de religiões específicas. Para isso, o Estado não
pode apoiar nem se opor a nenhuma religião, mas propiciar igualdade de
direitos, independentemente das escolhas religiosas, e sem priorizar certas
religiões em detrimento de outras. Esse paradigma difere do Estado teocrático, no
qual há apenas uma única religião oficialmente legítima, como é o caso do
Vaticano (Religião Católica) e do Irã (Religião Islâmica). O Estado Laico,
também chamado de Estado secular, deve garantir a liberdade religiosa de cada
cidadão, deste modo não pode aceitar que nenhuma religião específica interfira
em questões políticas. Entretanto, Estado Laico não significa que ele seja um Estado
Ateu, pois ele reconhece tanto o direito à descrença religiosa quanto o direito
a religiosidade. Ser um Estado laico significa ter uma atitude crítica que separe
a interferência das religiões nas decisões públicas do Estado e vice-versa[1].
Apesar dos avanços alcançados no campo dos direitos humanos, inclusive com
o reconhecimento do Estado Laico pelos segmentos religiosos progressistas,
vivemos hoje no Brasil uma ameaça das correntes fundamentalistas aos princípios
democráticos estruturantes de nossa Constituição Federal de 1988. Vários fatos
ocorridos na atualidade[2] nos
faz perceber o quanto que os espaços políticos de direitos humanos estão cada
vez mais fragilizados. Há reincididas interferências de setores conservadores
para a não efetivação de políticas públicas para as pessoas LGBTs. Como exemplo,
o veto pela Presidente da República ao kit anti-homofobia, em maio de 2011 e a
retirada do ar de campanhas de prevenção a DST-Aids destinadas a jovens gays, entre outros. A não efetivação da
laicidade do Estado tem possibilitado uma reconfiguração do lugar dos religiosos
fundamentalistas na política, que inclui disputas por poder e hegemonia no
campo religioso, interesses políticos partidários em coligações para campanhas
e abertura de espaços na mídia hegemônica conservadora.
Assim, por mais que seja percebido um gradativo fortalecimento da
perspectiva sócio-histórica e crítica dos direitos humanos, percebe-se também a
permanência de pespectivas naturalistas-cristãs perpassando o discurso dos
direitos. Esse fato ocorre numa lógica de que direitos humanos são para humanos
“direitos”, ou seja, àqueles identificados a elite dominante.
O campo dos direitos humanos deve se configurar como um horizonte de
igualdade social, uma utopia ativa que busca universalizar direitos para todos.
Daí a importância de compreender que a discordância frente às diferenças do
outro não deve conduzir a uma eliminação radical deste, mas a renegociações
constantes das formas de sua presença. A vida em sociedade requer a coexistência
de alguns valores universais em comum. Porém, o universal não deve ter uma representação
fixa, pois diferentes grupos competem entre si para dar temporariamente a seus
particularismos uma função de representação universal. Este paradoxo entre os
direitos humanos ditos universais e particulares não pode ser resolvido, já que
sua irresolubilidade é que garante a democracia[3].
Enfim, o Estado Laico adquire um caráter crítico quando ocupa o lugar de
fazer traduções de experiências particulares, entre o que elas se aproximam e
se distanciam nas suas necessidades para a garantia da dignidade humana. Os
direitos humanos promovidos pelo Estado, a partir das suas leis e políticas
públicas, poderão abarcar melhor as complexidades dos grupos e indivíduos e
intervir de forma mais eficaz sobre eles, por meio de uma noção de universalidade
contextualizada. Torna-se, então, imprescindível a legitimidade dos debates, dos conflitos e
das demandas sociais para o alargamento das possibilidades dos direitos humanos
serem universalizados garantindo um Estado mais pluralista e democrático.
[1] RÉMOND, R. Religion and
Society. U.S.A.: Blackwell Publishers, 1999.
[2] LIMA, A.M. Política sexual: entre o univesal e o
particular, os direitos humanos LGBT em Belo Horizonte e Lisboa. Tese de
Doutorado. BeLo Horizonte: UFMG, 2013.
[3] LACLAU, E. Emancipação e Diferença. Rio de
Janeiro: EdUERJ., 2011.
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