Marco José de Oliveira Duarte
Mestre e Doutor em Serviço Social
Professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro - UERJ
Pesquisador do Laboratório Integrado em Diversidade
Sexual e de Gênero: Políticas e Direitos – LIDIS-SR-3/UERJ
Fundador do Movimento ALEXANDRE (V)IVO
É
notória a percepção de que as dinâmicas, os conceitos e as estruturas
familiares em nossa contemporaneidade não se limitam mais a um único modelo de
ser família. Por conta disso, todos os estudiosos desse campo usam a expressão
famílias, tendo em vista não operarmos mais com um sentido único e idealizado
desta instituição no tecido social - a família nuclear burguesa.
Contudo
é importante sinalizar que a dinâmica, o conceito e a própria estrutura desta
instituição denominada família se alterou e se modificou no tempo e no espaço,
por ser a mesma constitutiva da realidade econômica, política e social. Se
tomarmos como referência o patriarcado existente em um determinado momento
histórico, originariamente oriundo da idade média, mas existente, até bem pouco
tempo atrás, em nossa história brasileira, não temos mais as famílias extensas,
numerosas, de base agrícola, sob a autoridade máxima e inquestionável da figura
paterna – o homem heterossexual, branco, católico, senhor das terras e dos
escravos negros.
A
mudança desta realidade familiar tem sua origem no processo de industrialização
que acarretou no fim deste modelo de família. A necessidade de força de
trabalho para impulsionar o processo de acumulação capitalista exigiu mais
força de trabalho e não só do gênero masculino adulto, mas de mulheres e
crianças. Este fenômeno político-econômico, que não se restringiu ao território
brasileiro, indelevelmente, reorganizou as famílias e operou um novo modelo e
significado à sua nova estrutura.
Profundas
transformações ocorreram no seio familiar em relação a essa dinâmica política e
econômica da nova ordem social. E consequentemente novos valores foram colocados
no cenário das lutas e no campo dos direitos, como por exemplo, a luta do
sufrágio das mulheres, o questionamento da hierarquia familiar e dos sexos, o
deslocamento da educação para as escolas, o catolicismo, antes preponderante,
abre espaço para outras religiões, o culto religioso deixa de ser ministrado em
casa, o casamento passou a significar a união afetiva de dois indivíduos e não
mais das famílias.
Por
outro lado e concomitante temos, neste mesmo cenário das transformações
familiares no mundo moderno, o imperativo da ordem médica higiênica no trato do
disciplinamento dos corpos e de suas intimidades às novas normas para com o
seio da família, tendo como princípios morais os novos atributos da sociedade
capitalista que se emerge.
Dentro
deste contexto podemos citar como exemplo a repressão à sexualidade da infância
e juventude, em particular a masturbação e a homossexualidade, que se opera não
mais pela ordem do pecado, mas pela ordem moral científica, no trato para com
as famílias. Esta medicalização que culpabiliza a família, como a ordem
religiosa com sua idéia de pecado, define a mesma como incapaz de cuidar e
proteger a vida de crianças e adolescentes, também de adultos e idosos. Neste
sentido a ordem médica ao higienizar as famílias impõe uma lógica pedagógica
para com esses sujeitos a partir da educação física, moral, intelectual e
sexual, inspirada nos preceitos sanitários da época.
No
entanto, este deslocamento da ordem religiosa para a ordem médica no trato com
a família, só foi possível, no Brasil, a partir da instituição do Estado Laico,
atributo do Estado republicano e democrático. O Estado ao se separar da Igreja,
mas não negando a existência da religiosidade na dinâmica da sociedade e
permitindo a liberdade de crenças, sem tomar para si uma escolha confessional,
cria as condições democráticas de governabilidade para a sociedade civil.
Assim,
são criadas as instituições públicas de saúde, de educação, de assistência
social, dentre outras, que propiciam a lógica das políticas públicas de
reprodução social no novo marco civilizatório da ordem social burguesa. E
concomitante, portanto, permite e regulamenta a união conjugal sem casamento, o
divórcio etc. por um lado e não mais patologiza a mesma masturbação e
homossexualidade como no passado, reconhecendo a diversidade como ontológica do
ser humano e seus diferentes modos de andar a vida singular.
Mesmo
assim, sob o signo da ambiguidade e da contraditoriedade, e justamente no marco
do Estado Laico e Democrático de Direitos, vemos hoje a conquista dos direitos
de LGBT no campo da família, tais como a adoção homoparental, a união civil
entre pessoas do mesmo sexo ter o reconhecimento de família, o casamento civil
igualitário etc.
No
entanto, por outro lado, de forma neoconservadora, emergem valores morais com
conteúdos medievais e obscurantistas, como certos projetos no campo legislativo
pautados em princípios religiosos, e em particular por determinados grupos fundamentalistas
e dogmáticos, sejam quais forem suas crenças, como o Estatuto do Nascituro, a
“Cura Gay”, a inclusão da obrigatoriedade para que as agências publicitárias
utilizem apenas modelos tradicionais de família (“Família Margarina”),
excluindo as famílias homoparentais e monoparentais (registra-se que este
modelo familiar, segundo censo do IBGE, já atinge quase a metade da população
brasileira) etc.
A
resistência e autoritarismo desses grupos religiosos que insistem em impor de
forma intolerante, preconceituosa e discriminatória uma conduta moral de modelo
familiar tradicional a ser seguido subjugando e hierarquizando as diversas
estruturas e organizações familiares, a partir de seus valores, ao conjunto da
sociedade deve ser questionada.
Politizar
este debate é estratégico, pois a realidade social e as representações de
famílias são ricas em exemplos pulsantes que desconstrói o padrão idealizado,
inclusive dentro de suas próprias instituições eclesiásticas.
A
necessidade de articular os novos agenciamentos coletivos em que as diferenças
e outros modos de experimentar a convivência familiar sejam postos, sob a perspectiva
do empoderamento e da publicização política, em contexto democrático, pela
ética do respeito à singularidade e pelo principio da não discriminação.
Desta
forma, urge reafirmar, cotidianamente, as mudanças moleculares que já vêem
sendo instituídas no campo da esfera pública por diferentes atores desta cena,
apesar da judicialização dos direitos, no sentido de estender e garantir o exercício
de cidadania de LGBT e suas tantas possibilidades constitutivas de organização
familiar. No entanto, isso só é possível neste projeto de Estado em que a
modernidade se fundou, laico e democrático.
Este
debate apenas está sendo retomado no Brasil, de forma mais contundente, desde o
século XIX, em decorrência das ameaças do fundamentalismo prosélito no que de
mais reacionário existe às liberdades democráticas, apesar da sua insistência
defensiva da liberdade de expressão.
Assim,
enfrentaremos a expansão maciça destes setores em decorrência de um projeto ofensivo
teocrático de poder e de Estado, mesmo de forma diferente dos países muçulmanos,
mas com a mesma intensidade moralista, conservadora e de violação dos direitos
humanos, em especial de LGBT, mulheres, negras e negros, usuários de drogas e aos
adeptos de outras religiosidades, em especial, aos de matriz africana.
Agradeco de coracao a todos do cellos pelo belo trabalho desenvolvido na sociedade glbt,acho que atraves de voces temos forca e voz pra gritarmos juntos por um futuro melhor e de mais igualdade,ainda existe homofobia mas ela sera vencida pq somos um povo vencendor.
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