Claudia Mayorga
Doutora
em Psicologia Social pela Universidade Complutense de Madri
Professora do Departamento de Psicologia da UFMG
Professora do Departamento de Psicologia da UFMG
O campo dos direitos
sexuais e reprodutivos é um dos mais afetados pela não efetivação de um Estado
laico. A obscura relação entre poder político e poder religioso no Brasil
implica concretamente na violação desses direitos por alguns segmentos da
sociedade que se opõem veementemente a demandas como a legalização e descriminalização
do aborto, a união civil entre pessoas do mesmo sexo, o acesso a métodos
contraceptivos, uma educação para a diversidade, pluralidade e autonomia moral,
o reconhecimento de gays, lésbicas, travestis e transexuais como plenos
cidadãos, acesso amplo e irrestrito a serviços de saúde sexual e reprodutiva,
entre outros.
Em um Estado laico, o
poder político e o poder religioso devem estar claramente separados. Tal
separação é complexa e implica necessariamente alguns aspectos. Primeiramente,
o Estado não pode privilegiar uma religião ou discriminar outras religiões presentes
no seu território. O Estado deve permitir que as religiões possam se expressar
em igualdade de condições. Em um Estado laico deve-se garantir que nenhuma
religião imponha suas regras, dogmas ou princípios aos membros de uma
comunidade política. Em outras palavras, nenhuma religião pode se apoderar do
poder político.
De um ponto de vista
filosófico e político, o projeto de laicidade do Estado se fundamenta em uma
ideia muito poderosa: as pessoas tem direito de viver e tomar decisões sobre
sua vida de forma autônoma e livre. No terreno da sexualidade e dos direitos
reprodutivos, a tensão entre liberdade e autonomia por um lado e prescrições
religiosas por outro é muito intensa. Vemos que alguns segmentos religiosos tem
tentado romper com essa intenção histórica, mas o que presenciamos é uma
tendência hegemônica de restrição da autonomia individual mediante a imposição
de uma moral única. Um indicador potente que revela o quanto no Brasil ainda
precisamos avançar nessa questão é a relação ambígua entre violação de um dogma
religioso (pecado) e a violação de um direito (delito). Um Estado não laico
tende a tratar essas duas dimensões como sinônimas ou frequentemente faz confusões
perigosas entre essas duas esferas.
Segundo a Organização
Mundial de Saúde, os direitos sexuais abarcam os direitos humanos que já são
reconhecidos em leis nacionais, documentos internacionais de direitos humanos e
outras declarações acordadas. Eles incluem os direitos de todas as pessoas,
livre de coerção, discriminação e violência, para: a obtenção do mais alto
padrão de saúde sexual, incluindo acesso a cuidados e serviços de saúde sexual
e reprodutiva; procurar, receber e conceder informação relacionada à
sexualidade; educação sexual; respeito pela integridade corporal, escolher seus
parceiros; decidir ser ou não sexualmente ativo; ter relações sexuais
consensuais; casamento consensual; decidir se, não, ou quando ter filhos; e
buscar satisfação, vida sexual saudável e prazerosa[1].
Assim, garantir os
direitos sexuais e reprodutivos em uma perspectiva laica, significa,
primeiramente, não penalizar ações e práticas que correspondam à vida privada
das pessoas e sobre a qual devem ter autonomia e liberdade de decisão como o
aborto, relações sexuais pré-casamento ou extraconjugais, uso de
anticonceptivos, relações homossexuais, etc. Em segundo lugar, um Estado laico
deve implementar serviços públicos de educação e saúde que garantam a
efetivação desses direitos.
No campo da educação, um
Estado laico e democrático deve oferecer uma educação para a sexualidade que
seja diversa e plural, problematizando preconceitos, intolerâncias e violências
que possam estar embasados em preceitos religiosos. No campo da saúde, o
princípio deve ser o mesmo e o Estado precisa garantir o acesso a serviços de
saúde que permitam vivenciar a sexualidade em uma perspectiva autônoma e
saudável, prevenindo problemas relacionados à saúde sexual, bem como precisa
assegurar atenção e tratamento de qualidade no caso de falha na prevenção.
A luta e defesa pelos
direitos sexuais e reprodutivos exige o fortalecimento da laicidade do Estado,
pois este consiste no instrumento jurídico por excelência para a defesa de
nossas liberdades fundamentais, já que pressupõe muito mais do que a separação
do poder político do poder religioso: implica no reconhecimento de que todos os
seres humanos têm direito ao respeito de sua liberdade de consciência e
consequentemente de sua prática individual e coletiva. Esse respeito envolve a
liberdade de vincular-se ou não a uma religião ou professar convicções éticas
específicas, o reconhecimento da autonomia e da consciência individual, a
liberdade pessoal dos seres humanos e sua livre escolha de religião e convicção.
[1] Ver: http:/www.who.int/reproductive-health/gender/index.html
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